- "Mas cuidado, Gaspinho" - diziam - "pois não serás guiado por uma estrela, mas sim por um redondo e circular esférico!"
Porém, o nosso imberbe Gaspar, então desfrutando da sua meninice, parecia mais preocupado com a sua evolução capilar, ou pela falta dela.
- "Mamã, quando é que vou ter idade para deixar crescer uma mosquinha?", perguntava.
- "Segue o redondo esférico, Gaspinho. Aí encontrarás as tuas respostas!"
Desta forma, o nosso José - arguto e sagaz, como mais tarde viríamos a saber- decidiu tornar-se em jogador profissional de curling.
Após três anos à procura de uma equipa à qual se pudesse juntar e mais dois a praticar o referido desporto, o seu companheiro nos Saskatchewan Grizzlies, Sillanpää Kivi, informou-o que as pedras com que jogava não eram esféricas. Eram achatadas demais. Gaspar autoflagelou-se brutalmente por não ter verificado o significado da palavra "esférico" antes de decidir fazer dela a sua razão de viver. Azar. Ainda por cima agora que tinha finalmente deixado de ser o gajo da vassoura para amealhar a glória inerente a quem lança a pedrinha.
Logo, o nosso arguto Gaspar - já com idade para sacar uma mosquinha - decidiu mostrar ao mundo que sabia perfeitamente o que era um esférico redondo, e aventurou-se no maravilhoso mundo da bola.
Como primeiro veículo para o transportar na longa viagem até Belém, Gaspar escolheu um clube promissor, contudo ainda longe dos grandes palcos: o CD Trofense.
José demonstrou uma grande capacidade visionária. Todavia, como a equipa da Trofa ainda estava a 15 anos de distância das luzes da ribalta, cedo decidiu em dar o salto para um clube mais religioso: o pio Tirsense da sua terra natal. Lá pensou estar mais perto de concluir a conventual missão que o conduzia pela vida fora.
Mas por muito Nito, Siasia ou Goran que houvesse, Jesus não havia, e Belém nem a via.
Setúbal foi a nova paragem.
- "Sempre estou mais perto de Belém...e se é verdade que não há Jesus, há o bigode do Matias e também o Ayew, que pode fazer de Belchior se necessário for", pensou.
Porém, ainda nem o sadino lugar estava quentinho, e eis que chegou a oportunidade futebolística pela qual todos os jogadores anseiam: o chamamento de um "grande".
Os seus companheiros berravam: "aceita, Zé!", porém o nosso longilíneo amigo não via interesse:
- "É bom para a prática deste desporto a que vocês chamam futebol, mas a mim o que me interessa é cumprir a minha missão: Ir a Belém levar incenso a Jesus."
- "Mas se não fores para o Porto, nunca terás dinheiro para comprar incenso, ó bronco.", retorquiu educadamente o buliçoso Tó Sá.
- "Bem visto."
Por vezes é preciso dar um passo atrás, para dar dois à frente, terá dito Gaspar.
Na invicta abandonou a mosquinha que o acompanhara durante toda a sua carreira, decidindo-se pelo look Abdel-Ghany light, numa tentativa de impôr respeito num balneário repleto de monstros sagrados da posição de defesa-central, como Alejandro Diaz, Lula e J.M. Pinto. Esta compilação de atletas poderia compôr a quadra de centrais de um qualquer Ac. Viseu da vida, porém tratava-se do Tetra-Campeão português.
Felizmente que António Oliveira contava com laterais do calibre de Carlos S. e Buturovic, senão as coisas poderiam ter dado para o torto, mas se algo falhasse havia uma equipa de futsal para manter as redes invioláveis: o kralhista Rui Correia, Eriksson, o jaimador de cerquelhas Taborda, o mítico Costinha e o centenário jovem Hilário. Estávamos em pleno reinado do maior fantasma do futebol nacional, portanto.
Desta forma, os azuis juntaram mais uma dobradinha ao seu palmarés, com Gaspar como figura central do presépio do triunfo. Contudo, apesar de ter tomado um quentinho duche banhado a êxito e cheirinho a enlevo, o nosso sagaz amigo ainda não estava satisfeito. Já tinha o incenso, mas não tinha Jesus. Muito menos Belém.
Mesmo ao lado das Antas, em Leça da Palmeira, não havia Jesus, nem Deus ou Santos que o salvassem, mas existiam pecadores q.b. "Talvez através de uma viagem ao purgatório possa limpar a minha alma de modo a que me deixem aceder aos dourados portões de Belém", concluiu.
Assim sendo, nada melhor que disputar uma época na II Liga sob as ordens de Luís Campos, uma espécie de Armagedão futebolístico embutido num corpo diminuto e de cabeça calva.
Partilhando o verde rectângulo com artistas do calibre de Zé da Rocha, Loinaz, Putnik, Zé Nando, Srdam Slagalo e Dieb, Gaspar concluiu o seu calvário com a coragem e a rectidão dos grandes homens.
"Agora sim, já comi o pão que o Vladan amassou. Estou pronto para levar a cabo a minha missão."
Porém, Jesus não estava a ouvir e Deus estava ocupado a moldar o seu pupilo José Mourinho. Alverca, Paços e Barcelos foram os destinos seguintes deste andarilho do cautchú, sempre descalço de trouxa ao ombro, caminhando ao pôr do sol pelos trilhos do comboio, qual Tom Sawyer com gigantismo ou Lucky Luke sem cavalo.
No entanto, o ano de 2004 sorriu para José, tal qual um Mílton Mendes versão calendário.
Uma chamada telefónica numa língua estranha prometeu-lhe mundos e fundos na paradisíaca localidade de Ajaccio, local de nascimento de Napoleão Bonaparte. Por esta altura Gaspar já estava por tudo. Triste, desiludido e desencantado com a vida, já pusera a sua missão de parte para se concentrar apenas na carreira como pontapeador de esférico.
Amargo, José vingou-se no cabelo. Nenhum vaso capilar resistiu à sua fúria.
Corta, pinta, frisa, desfrisa, bota madeixa, saca madeixa, deixa crescer, volta a desbastar.
Os amigos, preocupados, perguntavam-lhe se estava tudo bem com ele, visto que a sua costumeira bonomia parecia esfarelar com o tempo, como uma boroa de duas semanas no bolso do fato de treino do Jamir. Ajaccio não foi o paraíso esperado, sendo que se tornou em apenas mais um apeadeiro deprimente do comboio das desilusões com destino a parte incerta.
Mas eis que do nada, o redondo esférico mudou radicalmente de rota e seguiu em direcção a casa. A Belém.
As nuvens negras abriram e deram lugar a um sol resplandecente. O orvalho matinal cobria o planeta Gaspar como um manto de prata, pronto a vestir as monárquicas costas do seu Rei-não-Mago (porque mago só há um: Dibo).
Gaspar chegava a Belém.
Feliz como uma criança, José correu (sim, a pé) desde Ajaccio até Lisboa com um Mílton Mendes nos lábios e o vento a soprar cálida mas gentilmente na sua farta cabeleira.
Após três semanas a palmilhar as costas francesas, espanholas e portuguesas, munido apenas com o seu walkman a bombar Divinus e um robe de sarrapilheira, Belém à vista. Finalmente.
- "Oh gentis senhores, podeis dizer-me onde encontrarei Jesus?", perguntou a um funcionário do Restelo. Velho, como convém.
- "A gente temos um coveiro neste momento agora, jovem barbudo. Mas diz que pró ano vem aí Jesus para salvar a gente, ó guedelhudo rapazola."
Sabendo como ninguém que a paciência é a melhor virtude que um andarilho pode exalar neste longo caminho da vida, José Gaspar fez a barba, meteu o incenso no cacifo do balneário e rezou sete Avé Marias, três Pai Nossos e nove Jaculatórias para que o Ahamada não o surripiasse.
- "Uma época passa rápido. Mesmo com José Coveiro ao leme da nau", suspirou.
Confirma-se. Um ano após a sua chegada ao Restelo, o Rei-não-Mago (porque mago só há um: Dibo) Gaspar reunia-se com Jesus em Belém e entregava-lhe o incenso. Jesus - o Jorge - jurava a pés juntos que nunca se iria deitar nas palhinhas, mas Gaspar insistia. Que só lho poderia entregar dessa forma. Jesus recusava, como brioso Homem que sempre foi. Os ânimos aqueciam. Fábio Januário ainda tentou intervir, mas foi tarde demais. José Gaspar arremessou o incenso à experiente testa de Jesus.
- "Está entregue.", afirmou o Rei-não-Mago (porque Mago só há um: Dibo)
A missão cumprida valeu-lhe a paz interior e um ríspido bilhete de regresso ao Norte lusitano, para alinhar no ex-clube de Dibo (o mago, não sei se ja frisei isso), o Rio Ave.
Clube esse que o acolheu como um dos seus, e o exortou a manifestar a sua recém adquirida paz interior com mudanças radicais de putrefacção capilar.
José adoptou um sorriso rasgado, um penteado à Ronny van Es, e uma eclesiástica barba a fazer lembrar tempos idos de uma missão por cumprir.
Disfruta, José. As portas do céu estão escancaradas.
3 comentários:
Oooooh!... [Gabriel Alves]
A melhor explicação possível para o fenómeno Gaspar.
Luís Campos, o Armagedão futebolístico.
Dieb.
Orvalho matinal a cobrir o planeta Gaspar.
Slagalo.
A pedrinha do curling.
Ronny Van Es.
:))
hehehe
Se quiserem ver fotos actuais do Milovac
Blog Salgueiros08 na festa de cumpleanos do emblema da fenix
gaspar rula muito.
a meteórica passagem dele pelo porto está resumida no maia 4 - fcp 5 para a taça. o dia D (do damas).
Enviar um comentário